Para iniciarmos esse texto, é conveniente que façamos uma primeira definição sobre o que é cultura e sua co-relação com a cibercultura.
Cultura
de um modo geral, é o conjunto de costumes, crenças e
comportamentos manifestados por um determinado povo. Já a
cibercultura ou a cultura digital é a manifestação cultural
realizada no ciberespaço, através do uso da tecnologia, utilizando
para isso interfaces como celulares, computadores, tablet, etc.. A
cibercultura pressupõe a possibilidade de criar interações entre
culturas de vários povos e de vários lugares.
Com
base nos avanços tecnológicos do último século, podem-se observar
mudanças significativas nas formas de interação social, tendo seu
ápice no momento atual, através do ciberespaço, onde as
informações são enviadas e recebidas instantaneamente, derrubando
barreiras de tempo e espaço.
Segundo
Marshall McLuhan (1994, apud CAVALCANTI, 2013, p.119)
“A
cada nova tecnologia comunicacional, altera-se não apenas a forma de
comunicar – isto é, a quantidade de público atingido pela
informação, reduzindo-se o tempo e os custos necessários à
difusão –, mas, ao mesmo tempo, a organização da sociedade
inteira, que passou por transformações qualitativas”.
Com
base nesse pensamento, se traçarmos um paralelo sobre o advento da
impressão no século XV (invenção de Gutenberg), até os dias
atuais, podemos perceber que as formas de se comunicar foram se
modificando e produzindo profundas alterações nas formas de
organização da sociedade e do mundo. A cada nova forma de
comunicação, a sociedade altera-se, modifica-se a maneira de viver
e interagir.
Um
bom exemplo disso é a leitura feita pelo cantor e compositor
Gilberto Gil, que há mais de vinte anos compôs uma música,
intitulada “Pela Internet” em que narrava os primórdios da
internet. Já em 2018, Gil fez uma atualização da sua obra,
trazendo novos dados e demonstrando como a nossa forma de se
relacionar com a tecnologia e em sociedade, foram afetadas.
A
primeira música reflete uma realidade bastante diferente, onde os
recursos da rede/ciberespaço eram limitados e se falava ainda em
disquete. Porém, ele já destacava o anseio de promover um debate de
ideias de diversos personagens separados geograficamente. Fala com
destaque e em mais de uma oportunidade sobre se informar, numa
perspectiva de consumir a informação. Já na versão atualizada da
composição, a contextualização muda de enfoque para o
protagonismo do sujeito quando diz que ele criou seu website, lançou
sua homepage, fala das mudanças culturais e da forma de se consumir
músicas através das lojas digitais, as mudanças na economia com as
criptomoedas, o protagonismo das redes sociais. A música como um
todo ilustra o que o autor Marshall Macluhan (1994, apud CAVALCANTI,
2013) descreve em seu trabalho, quando diz que o advento de novas
tecnologias da comunicação, promovem não só mudanças na forma de
se comunicar, como promovem também, mudanças significativas na
organização da sociedade. Pelas letras das músicas percebemos que
a forma como fazíamos diversas coisas até bem pouco tempo,
modificaram-se radicalmente.
A
comunicação não se dá mais pelo modelo vertical ou arborescente
(hierarquia da árvore, um-todos), que se caracteriza basicamente
pelas práticas da indústria cultural, ou cultura de massa (mass
media), representados pela TV, rádio, jornal/imprensa e o cinema. O
ciberespaço proporciona hoje a possibilidade da comunicação
acontecer da forma todos-todos, ou como destaca Lemos (2008, apud
CAVALCANTI, 2013, p.120) no ciberespaço “...a circulação de
informações não obedece à hierarquia da árvore (um-todos) e sim
à multiplicidade do rizoma (todos-todos).
O
ciberespaço, por ter como característica uma perspectiva
rizomática, emerge como um território de resistência aos modelos
hierárquicos, verticais e hegemônicos, pois sua estrutura não
comporta pontos fixos para a veiculação de informações, além de
haver condições de produção e distribuição instantâneas numa
dinâmica horizontal/todos-todos. (CHAMPANGNATTE, D. M. DE O.;
CAVALCANTI, M. A. DE P. 2015, p.324)
O
que víamos até então com a indústria cultural – televisão,
jornal, rádio – era a produção e distribuição de conteúdos
para as massas. A comunicação de massa, segundo Camponez (2002 apud
CAVALCANTI, 2013, p.112) “é entendida como um tipo de comunicação
em que a mensagem é transmitida de um centro emissor para uma
‘pluralidade de indivíduos receptores’”. Ou seja, uma forma
unidirecional de transmissão de informações, que ocorre de forma
vertical.
Diferentemente
dessa estrutura vertical da indústria cultural, as redes digitais
permitem estabelecer relacionamentos bidirecionais, em que os papéis
de receptores podem se inverter e se tornarem também agentes
emissores, possibilitando efetivamente a ocorrência de fenômenos
comunicativos de formas rizomáticas. Segundo Cavalcanti (2013,
p.112) o território digital “cria uma zona dentro de outros
territórios”, onde se acessa, produz e distribui informações de
maneira autônoma e podendo se estabelecer também redes
colaborativas.
Esse
fenômeno está levando a indústria cultural a rever seu
posicionamento e a forma como produz e distribui a informação.
Afinal, é a primeira vez na história da humanidade que qualquer
pessoa pode produzir e publicar informações em tempo real, em
diversos formatos e linguagens, colaborando em rede com outros.
É
comum vermos jornais, rádios e a televisão fazendo uso dos recursos
digitais para distribuir seu produto, mas, para além da simples
veiculação de informações, essa convergência midiática
pressupõe acima de tudo uma transformação cultural, uma vez que os
consumidores/receptores agora tem autonomia para buscar novas formas
de obter informações. Este processo de convergência de meios
ocorre quando as pessoas começam a assumir o controle das mídias,
quando elas passam a produzir e a gerar conhecimento.
Segundo
Nicolau (2010, p.1)
Se
os antigos consumidores eram passivos, hoje eles são extremamente
ativos, migratórios, conectados socialmente e barulhentos, de grande
expressividade pública. A convergência vai representar uma mudança
no modo como encaramos nossas relações com as mídias. O público
ganhou espaço com as novas tecnologias e agora está exigindo o
direito de participar intensamente desta nova cultura.
Essa
característica bidirecional, com a multiplicação de agentes
emissores, onde o espaço permite que a comunicação se estabeleça
horizontalmente, de forma rizomática, o todos-todos, surgiu campo
propício para a expansão da inteligência coletiva, que é um tipo
de inteligência compartilhada que nasce da colaboração de muitos
indivíduos, que somam seus saberes individuais (que não são
necessariamente científicos), ao de outros indivíduos, resultando
na ampliação do conhecimento e do aprendizado.
Para
Lévy (2007, p.212) a inteligência coletiva “é uma inteligência
distribuída por toda parte, na qual todo o saber está na
humanidade, já que, ninguém sabe tudo, porém, todos sabem alguma
coisa”.
Todas
essas mudanças na forma de nos comunicarmos levou a novos paradigmas
que precisamos nos debruçar para podermos extrair das novas
tecnologias o que elas têm de melhor a nos oferecer. Se no campo da
comunicação não podemos mais pensar em emissor e receptor, no
campo da produção da educação também temos que nos despir da
figura do professor como único detentor do conhecimento e o aluno
aquele que nada sabe. A inteligência coletiva está aí para provar
isso, a construção do conhecimento passa atualmente por uma cultura
participativa, de muitas mãos. É preciso, pois, repensar nosso
sistema educacional e o papel do professor, que deve se tornar um
intermediador, um auxiliar na construção da inteligência coletiva.
Cabe
ainda uma última reflexão acerca desse tema, embora tenhamos
explorado o ciberespaço como algo real e acessível a todos, sabemos
que a realidade, sobretudo a brasileira, não permite que todos
estejam incluídos nessa rede. Ainda assim, é impossível pensarmos
o mundo sem ser digital, é preciso cobrar políticas públicas de
inclusão, para que nossa sociedade não esteja a parte desse mundo
novo que se descortina sob nossos olhos.
Referências:
CAVALCANTI, M. A. DE P. Indústria Cultural e Cibercultura – aproximações e distanciamentos de conceitos e práticas na contemporaneidade. Revista Periferia, v. 5, n.2, p. 111-130, jul./dez.2013.
CHAMPANGNATTE,
D. M. DE O.; CAVALCANTI, M. A. DE P. Cibercultura – perspectivas
conceituais, abordagens alternativas de comunicação e movimentos
sociais. Rev. Estud. Comun. Curitiba, v. 16, n. 41, p.
312-326, set. /dez. 2015.
LÉVY,
Pierre. Inteligência
coletiva: para uma antropologia do ciberespaço.
São Paulo: Loyola, 2007.
NICOLAU,
V. Cultura da Convergência. REVISTA ELETRÔNICA TEMÁTICA,
v.10, n. 6, p. 1-5, out.2010.
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