sábado, 16 de fevereiro de 2019

Cultura Digital por Suelen Corazza de Alice




Para iniciarmos esse texto, é conveniente que façamos uma primeira definição sobre o que é cultura e sua co-relação com a cibercultura.

Cultura de um modo geral, é o conjunto de costumes, crenças e comportamentos manifestados por um determinado povo. Já a cibercultura ou a cultura digital é a manifestação cultural realizada no ciberespaço, através do uso da tecnologia, utilizando para isso interfaces como celulares, computadores, tablet, etc.. A cibercultura pressupõe a possibilidade de criar interações entre culturas de vários povos e de vários lugares.

Com base nos avanços tecnológicos do último século, podem-se observar mudanças significativas nas formas de interação social, tendo seu ápice no momento atual, através do ciberespaço, onde as informações são enviadas e recebidas instantaneamente, derrubando barreiras de tempo e espaço.

Segundo Marshall McLuhan (1994, apud CAVALCANTI, 2013, p.119)

A cada nova tecnologia comunicacional, altera-se não apenas a forma de comunicar – isto é, a quantidade de público atingido pela informação, reduzindo-se o tempo e os custos necessários à difusão –, mas, ao mesmo tempo, a organização da sociedade inteira, que passou por transformações qualitativas”.

Com base nesse pensamento, se traçarmos um paralelo sobre o advento da impressão no século XV (invenção de Gutenberg), até os dias atuais, podemos perceber que as formas de se comunicar foram se modificando e produzindo profundas alterações nas formas de organização da sociedade e do mundo. A cada nova forma de comunicação, a sociedade altera-se, modifica-se a maneira de viver e interagir.

Um bom exemplo disso é a leitura feita pelo cantor e compositor Gilberto Gil, que há mais de vinte anos compôs uma música, intitulada “Pela Internet” em que narrava os primórdios da internet. Já em 2018, Gil fez uma atualização da sua obra, trazendo novos dados e demonstrando como a nossa forma de se relacionar com a tecnologia e em sociedade, foram afetadas.

A primeira música reflete uma realidade bastante diferente, onde os recursos da rede/ciberespaço eram limitados e se falava ainda em disquete. Porém, ele já destacava o anseio de promover um debate de ideias de diversos personagens separados geograficamente. Fala com destaque e em mais de uma oportunidade sobre se informar, numa perspectiva de consumir a informação. Já na versão atualizada da composição, a contextualização muda de enfoque para o protagonismo do sujeito quando diz que ele criou seu website, lançou sua homepage, fala das mudanças culturais e da forma de se consumir músicas através das lojas digitais, as mudanças na economia com as criptomoedas, o protagonismo das redes sociais. A música como um todo ilustra o que o autor Marshall Macluhan (1994, apud CAVALCANTI, 2013) descreve em seu trabalho, quando diz que o advento de novas tecnologias da comunicação, promovem não só mudanças na forma de se comunicar, como promovem também, mudanças significativas na organização da sociedade. Pelas letras das músicas percebemos que a forma como fazíamos diversas coisas até bem pouco tempo, modificaram-se radicalmente.

A comunicação não se dá mais pelo modelo vertical ou arborescente (hierarquia da árvore, um-todos), que se caracteriza basicamente pelas práticas da indústria cultural, ou cultura de massa (mass media), representados pela TV, rádio, jornal/imprensa e o cinema. O ciberespaço proporciona hoje a possibilidade da comunicação acontecer da forma todos-todos, ou como destaca Lemos (2008, apud CAVALCANTI, 2013, p.120) no ciberespaço “...a circulação de informações não obedece à hierarquia da árvore (um-todos) e sim à multiplicidade do rizoma (todos-todos).
O ciberespaço, por ter como característica uma perspectiva rizomática, emerge como um território de resistência aos modelos hierárquicos, verticais e hegemônicos, pois sua estrutura não comporta pontos fixos para a veiculação de informações, além de haver condições de produção e distribuição instantâneas numa dinâmica horizontal/todos-todos. (CHAMPANGNATTE, D. M. DE O.; CAVALCANTI, M. A. DE P. 2015, p.324)

O que víamos até então com a indústria cultural – televisão, jornal, rádio – era a produção e distribuição de conteúdos para as massas. A comunicação de massa, segundo Camponez (2002 apud CAVALCANTI, 2013, p.112) “é entendida como um tipo de comunicação em que a mensagem é transmitida de um centro emissor para uma ‘pluralidade de indivíduos receptores’”. Ou seja, uma forma unidirecional de transmissão de informações, que ocorre de forma vertical.

Diferentemente dessa estrutura vertical da indústria cultural, as redes digitais permitem estabelecer relacionamentos bidirecionais, em que os papéis de receptores podem se inverter e se tornarem também agentes emissores, possibilitando efetivamente a ocorrência de fenômenos comunicativos de formas rizomáticas. Segundo Cavalcanti (2013, p.112) o território digital “cria uma zona dentro de outros territórios”, onde se acessa, produz e distribui informações de maneira autônoma e podendo se estabelecer também redes colaborativas.

Esse fenômeno está levando a indústria cultural a rever seu posicionamento e a forma como produz e distribui a informação. Afinal, é a primeira vez na história da humanidade que qualquer pessoa pode produzir e publicar informações em tempo real, em diversos formatos e linguagens, colaborando em rede com outros.

É comum vermos jornais, rádios e a televisão fazendo uso dos recursos digitais para distribuir seu produto, mas, para além da simples veiculação de informações, essa convergência midiática pressupõe acima de tudo uma transformação cultural, uma vez que os consumidores/receptores agora tem autonomia para buscar novas formas de obter informações. Este processo de convergência de meios ocorre quando as pessoas começam a assumir o controle das mídias, quando elas passam a produzir e a gerar conhecimento.

Segundo Nicolau (2010, p.1)

Se os antigos consumidores eram passivos, hoje eles são extremamente ativos, migratórios, conectados socialmente e barulhentos, de grande expressividade pública. A convergência vai representar uma mudança no modo como encaramos nossas relações com as mídias. O público ganhou espaço com as novas tecnologias e agora está exigindo o direito de participar intensamente desta nova cultura.

Essa característica bidirecional, com a multiplicação de agentes emissores, onde o espaço permite que a comunicação se estabeleça horizontalmente, de forma rizomática, o todos-todos, surgiu campo propício para a expansão da inteligência coletiva, que é um tipo de inteligência compartilhada que nasce da colaboração de muitos indivíduos, que somam seus saberes individuais (que não são necessariamente científicos), ao de outros indivíduos, resultando na ampliação do conhecimento e do aprendizado.

Para Lévy (2007, p.212) a inteligência coletiva “é uma inteligência distribuída por toda parte, na qual todo o saber está na humanidade, já que, ninguém sabe tudo, porém, todos sabem alguma coisa”.

Todas essas mudanças na forma de nos comunicarmos levou a novos paradigmas que precisamos nos debruçar para podermos extrair das novas tecnologias o que elas têm de melhor a nos oferecer. Se no campo da comunicação não podemos mais pensar em emissor e receptor, no campo da produção da educação também temos que nos despir da figura do professor como único detentor do conhecimento e o aluno aquele que nada sabe. A inteligência coletiva está aí para provar isso, a construção do conhecimento passa atualmente por uma cultura participativa, de muitas mãos. É preciso, pois, repensar nosso sistema educacional e o papel do professor, que deve se tornar um intermediador, um auxiliar na construção da inteligência coletiva.

Cabe ainda uma última reflexão acerca desse tema, embora tenhamos explorado o ciberespaço como algo real e acessível a todos, sabemos que a realidade, sobretudo a brasileira, não permite que todos estejam incluídos nessa rede. Ainda assim, é impossível pensarmos o mundo sem ser digital, é preciso cobrar políticas públicas de inclusão, para que nossa sociedade não esteja a parte desse mundo novo que se descortina sob nossos olhos.



Referências:

CAVALCANTI, M. A. DE P. Indústria Cultural e Cibercultura – aproximações e distanciamentos de conceitos e práticas na contemporaneidade. Revista Periferia, v. 5, n.2, p. 111-130, jul./dez.2013.
CHAMPANGNATTE, D. M. DE O.; CAVALCANTI, M. A. DE P. Cibercultura – perspectivas conceituais, abordagens alternativas de comunicação e movimentos sociais. Rev. Estud. Comun. Curitiba, v. 16, n. 41, p. 312-326, set. /dez. 2015.
LÉVY, Pierre. Inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2007.
NICOLAU, V. Cultura da Convergência. REVISTA ELETRÔNICA TEMÁTICA, v.10, n. 6, p. 1-5, out.2010.

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