domingo, 10 de fevereiro de 2019

Cultura Digital por Juliane Colling


Os aspectos sociais e culturais da sociedade contemporânea estão em constante transformação. Nas últimas décadas acompanhamos um intenso movimento de revoluções nas formas de produzir, de se comunicar e de buscar conhecimentos, muito em função do rápido desenvolvimento da tecnologia. Tais transformações impactam diretamente o comportamento social das pessoas e, consequentemente, tudo que o abarca, como os espaços, as relações, as hierarquias e as práticas educacionais, e se dão, principalmente, pela evolução dos recursos digitais e sua presença constante em nosso cotidiano. As transformações causadas por esses meios digitais são tão rápidas e intensas que, por vezes, causam medo nas pessoas. No entanto, percebe-se que este é um ciclo que se repete, assim como outras tecnologias (vistas enquanto técnicas) que já marcaram diferentes períodos da história humana.
Kenski (2007) afirma que a tecnologia é tão antiga quanto a espécie humana, sendo que a tecnologia representa uma forma de poder que distingue os grupos sociais. É neste contexto que Lévy (1993) apresenta o conceito de tecnologias intelectuais, ou tecnologias da inteligência, que são os instrumentos culturais e políticos que constituem a inteligência dos grupos sociais. Lévy (1993) destaca que em cada momento histórico da humanidade foram desenvolvidas técnicas e tecnologias diferenciadas, desde a fala, a escrita e os instrumentos de uso diário, como armas de caça e utensílios domésticos.
A tecnologia é produto do trabalho humano, de sua ação sobre a natureza, modificando-a e modificando sua cultura por meio de novas técnicas de produtos e processos. Kenski (2007, p.20-21) argumenta que “o desenvolvimento tecnológico de cada época da civilização marcou a cultura e a forma de compreender a sua história. Todas estas descobertas serviram para o crescimento e desenvolvimento do acervo cultural da espécie humana”. Lévy (1993) destaca três tecnologias que marcaram a evolução humana, denominando-as como os três tempos de espírito das tecnologias da inteligência: a fala, a escrita a informática. O autor destaca ainda que a transformação cultural pela modificação dos recursos tecnológicos não é um processo simples, uma vez que


[...] a sucessão da oralidade, da escrita e da informática como modos fundamentais de gestão social do conhecimento não se dá por simples substituição, mas antes por complexificação e deslocamento de centros de gravidade. [...]. Não se trata aqui, portanto, de profetizar uma catástrofe cultural causada pela informatização, mas sim de utilizar os trabalhos recentes da psicologia cognitiva e da história dos processos de inscrição para analisar precisamente a articulação entre gêneros de conhecimento e tecnologias intelectuais (LÉVY, 1993, p. 10).


É neste contexto que a Cultura Digital remete ao contexto atual, em que os recursos digitais (aqueles que utilizam-se da linguagem binária de máquina) estão intrinsecamente ligados às atividades humanas, seja nos maios de comunicação, na saúde, trabalho, entretenimento e educação. É difícil encontrar um conceito amplamente utilizado para o termo Cultura Digital, mas considerando perspectivas de pesquisadores e profissionais da área apresentados no livro Cultura digital.br e na Série Cultura Digital dos Cadernos Pedagógicos do programa Mais Educação, a Cultura Digital representa um sistema de valores, de símbolos, de práticas e de atitude mediadas por recursos tecnológicos digitais. Portanto, a Cultura Digital não é um conceito exclusivo do campo das tecnologias, mas é um conceito multidisciplinar, que envolve também  arte, educação, filosofia, sociologia, etc.
Por meio das leituras de Lévy (1993) e do material didático da disciplina de Tecnologias Educacionais, relaciona-se ao conceito de Cultura digital também a perspectiva de inteligência coletiva, uma vez que a inteligência constituída em uma sociedade não se dá de forma individual, mas sim pela interação entre as pessoas, que utilizam-se de meios digitais ou não para isso. Neste cenário de construção de conhecimentos, os recursos digitais vem justamente para proporcionar maior alcance e mais possibilidades de troca de informações, estimulando a cultura participativa, muito além da cultura receptiva e passiva antes dominada por meios de comunicação em massa unidirecional. Atualmente, a convergência de meios, que utiliza-se de diferentes fontes de informação e diferentes mídias, possibilita ao cidadão tornar-se ativo, produtos de informações e conhecimentos no mundo digital.  
As músicas de Gilberto Gil demonstram claramente a rapidez com que conceitos e práticas mudam quanto ao uso de recursos digitais, sendo que há 20 anos basicamente se navegava pela internet e utilizava-se o e-mail, com uma capacidade ainda limitada de acesso. A música atual demonstra como surgem novos aplicativos para todo tipo de situação e necessidade, desde a redes sociais (facebook e instagram) até aplicativos que auxiliam em atividades diárias, como a comparação entre as antigas listas de correio e os endereços eletrônicos que hoje podem ser facilmente localizado por aplicativos como o Waze
Um dos grandes desafios desta cultura digital reside em como utilizar de forma adequada estas tecnologias da inteligência, uma vez que surgem comentários como "As crianças não saem do celular / computador", "Os adolescentes só querem saber das redes sociais" e a preocupação com a cultura do imediatismo, do exibicionismo e da imagem virtual ideal. De fato, encontramos muitos jovens e adultos com problemas de comunicação, emocionais e formativos que refletem o uso excessivo das tecnologias, e que por outro lado, mal sabem utilizar recursos digitais básicos, como um editor de texto ou realizar uma busca na internet. É esta cultura digital que precisamos mudar por meio das ações formativas, desde o ensino básico até a formação continuada do profissional.
Em minha percepção pessoal, é indispensável que a formação do cidadão inclua educação digital, mostrando-lhe as possibilidades de apropriação, produção e disseminação de conhecimentos por meios do uso de recursos digitais, fazendo com que estes deixem de ser apenas recursos de entretenimento e tornem-se recursos de produtividade no dia a dia das pessoas. Acredito que esse processo se incia com a utilização intencional de recursos digitais nas atividades educacionais, não apenas como um recurso diferente para atrair a atenção do estudante para as aulas, mas que estes recursos digitais sejam vistos com potencialidade produtiva e mude o papel do estudante de receptor de conteúdos para um protagonismo digital.
É isso que propõe, inclusive, a nova Base Nacional Comum Curricular - BNCC, que dentre as dez competências transversais inclui a Cultura Digital, que vai além de saber utilizar recursos digitais, mas também torná-los meios de construção de conhecimentos. Compartilho o vídeo a seguir, em que as pesquisadora Maria da Graça Moreira e Tatiana Soster discutem a competência Cultura Digital da BNCC.



           Para finalizar esta conversa Levyana, trago a reflexão do próprio Pierre Lévy:

"As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos"


REFERÊNCIAS

10 COMPETÊNCIAS - BNCC. BNCC - 10 Competências: 5. Cultura Digital (Maria da Graça Moreira e Tatiana Soster). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IekbCdZ3QRM>. Acesso em 10 fev. 2019.

KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. 2.ed. Campinas: Papirus, 2007.

LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradutor: Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

PROGRAMA Mais Educação. Cultura Digital: Série Cadernos Pedagógicos. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=12330-culturadigital-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 10 fev. 2019.

SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. COHN, Sergio. Cultura digital.br.  Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.

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