Os
aspectos sociais e culturais da sociedade contemporânea estão em
constante transformação. Nas últimas décadas acompanhamos um
intenso movimento de revoluções nas formas de produzir, de se
comunicar e de buscar conhecimentos, muito em função do rápido
desenvolvimento da tecnologia. Tais transformações impactam
diretamente o comportamento social das pessoas e, consequentemente,
tudo que o abarca, como os espaços, as relações, as hierarquias e
as práticas educacionais, e se dão, principalmente, pela evolução
dos recursos digitais e sua presença constante em nosso cotidiano.
As transformações causadas por esses meios digitais são tão
rápidas e intensas que, por vezes, causam medo nas pessoas. No
entanto, percebe-se que este é um ciclo que se repete, assim como
outras tecnologias (vistas enquanto técnicas) que já marcaram
diferentes períodos da história humana.
Kenski
(2007) afirma que a tecnologia é tão antiga quanto a espécie
humana, sendo que a tecnologia representa uma forma de poder que
distingue os grupos sociais. É neste contexto que Lévy (1993)
apresenta o conceito de tecnologias intelectuais, ou tecnologias da
inteligência, que são os instrumentos culturais e políticos que
constituem a inteligência dos grupos sociais. Lévy (1993) destaca
que em cada momento histórico da humanidade foram desenvolvidas
técnicas e tecnologias diferenciadas, desde a fala, a escrita e os
instrumentos de uso diário, como armas de caça e utensílios
domésticos.
A
tecnologia é produto do trabalho humano, de sua ação sobre a
natureza, modificando-a e modificando sua cultura por meio de novas
técnicas de produtos e processos. Kenski (2007, p.20-21) argumenta
que “o desenvolvimento tecnológico de cada época da civilização
marcou a cultura e a forma de compreender a sua história. Todas
estas descobertas serviram para o crescimento e desenvolvimento do
acervo cultural da espécie humana”. Lévy (1993) destaca três
tecnologias que marcaram a evolução humana, denominando-as como os
três tempos de espírito das tecnologias da inteligência: a fala, a
escrita a informática. O autor destaca ainda que a transformação
cultural pela modificação dos recursos tecnológicos não é um
processo simples, uma vez que
[...]
a sucessão da oralidade, da escrita e da informática como modos
fundamentais de gestão social do conhecimento não se dá por
simples substituição, mas antes por complexificação e
deslocamento de centros de gravidade. [...]. Não se trata aqui,
portanto, de profetizar uma catástrofe cultural causada pela
informatização, mas sim de utilizar os trabalhos recentes da
psicologia cognitiva e da história dos processos de inscrição para
analisar precisamente a articulação entre gêneros de conhecimento
e tecnologias intelectuais (LÉVY, 1993, p. 10).
É
neste contexto que a Cultura Digital remete ao contexto atual, em que
os recursos digitais (aqueles que utilizam-se da linguagem binária
de máquina) estão intrinsecamente ligados às atividades humanas,
seja nos maios de comunicação, na saúde, trabalho, entretenimento
e educação. É difícil encontrar um conceito amplamente utilizado
para o termo Cultura Digital, mas considerando perspectivas de
pesquisadores e profissionais da área apresentados no livro Cultura
digital.br e na Série Cultura Digital dos Cadernos Pedagógicos do
programa Mais Educação, a Cultura Digital representa um sistema de
valores, de símbolos, de práticas e de atitude mediadas por
recursos tecnológicos digitais. Portanto, a Cultura Digital não é
um conceito exclusivo do campo das tecnologias, mas é um conceito
multidisciplinar, que envolve também arte, educação,
filosofia, sociologia, etc.
Por
meio das leituras de Lévy (1993) e do material didático da
disciplina de Tecnologias Educacionais, relaciona-se ao conceito de
Cultura digital também a perspectiva de inteligência coletiva, uma
vez que a inteligência constituída em uma sociedade não se dá de
forma individual, mas sim pela interação entre as pessoas, que
utilizam-se de meios digitais ou não para isso. Neste cenário de
construção de conhecimentos, os recursos digitais vem justamente
para proporcionar maior alcance e mais possibilidades de troca de
informações, estimulando a cultura participativa, muito além da
cultura receptiva e passiva antes dominada por meios de comunicação
em massa unidirecional. Atualmente, a convergência de meios, que
utiliza-se de diferentes fontes de informação e diferentes mídias,
possibilita ao cidadão tornar-se ativo, produtos de informações e
conhecimentos no mundo digital.
As
músicas de Gilberto Gil demonstram claramente a rapidez com que
conceitos e práticas mudam quanto ao uso de recursos digitais, sendo
que há 20 anos basicamente se navegava pela internet e utilizava-se
o e-mail, com uma capacidade ainda limitada de acesso. A música
atual demonstra como surgem novos aplicativos para todo tipo de
situação e necessidade, desde a redes sociais (facebook e
instagram) até aplicativos que auxiliam em atividades diárias, como
a comparação entre as antigas listas de correio e os endereços
eletrônicos que hoje podem ser facilmente localizado por aplicativos
como o Waze
Um
dos grandes desafios desta cultura digital reside em como utilizar de
forma adequada estas tecnologias da inteligência, uma vez que surgem
comentários como "As crianças não saem do celular /
computador", "Os adolescentes só querem saber das redes
sociais" e a preocupação com a cultura do imediatismo, do
exibicionismo e da imagem virtual ideal. De fato, encontramos muitos
jovens e adultos com problemas de comunicação, emocionais e
formativos que refletem o uso excessivo das tecnologias, e que por
outro lado, mal sabem utilizar recursos digitais básicos, como um
editor de texto ou realizar uma busca na internet. É esta cultura
digital que precisamos mudar por meio das ações formativas, desde o
ensino básico até a formação continuada do profissional.
Em
minha percepção pessoal, é indispensável que a formação do
cidadão inclua educação digital, mostrando-lhe as possibilidades
de apropriação, produção e disseminação de conhecimentos por
meios do uso de recursos digitais, fazendo com que estes deixem de
ser apenas recursos de entretenimento e tornem-se recursos de
produtividade no dia a dia das pessoas. Acredito que esse processo se
incia com a utilização intencional de recursos digitais nas
atividades educacionais, não apenas como um recurso diferente para
atrair a atenção do estudante para as aulas, mas que estes recursos
digitais sejam vistos com potencialidade produtiva e mude o papel do
estudante de receptor de conteúdos para um protagonismo digital.
É
isso que propõe, inclusive, a nova Base Nacional Comum Curricular -
BNCC, que dentre as dez competências transversais inclui a Cultura
Digital, que vai além de saber utilizar recursos digitais, mas
também torná-los meios de construção de conhecimentos.
Compartilho o vídeo a seguir, em que as pesquisadora Maria da Graça
Moreira e Tatiana Soster discutem a competência Cultura Digital da
BNCC.
Para finalizar esta conversa Levyana, trago a reflexão do próprio Pierre Lévy:
SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. COHN, Sergio. Cultura digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.
"As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos"
REFERÊNCIAS
10 COMPETÊNCIAS - BNCC. BNCC - 10 Competências: 5. Cultura Digital (Maria da Graça Moreira e Tatiana Soster). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IekbCdZ3QRM>. Acesso em 10 fev. 2019.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. 2.ed. Campinas: Papirus, 2007.
LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradutor: Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
PROGRAMA Mais Educação. Cultura Digital: Série Cadernos Pedagógicos. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=12330-culturadigital-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 10 fev. 2019.
SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. COHN, Sergio. Cultura digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.
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