domingo, 17 de fevereiro de 2019

Cultura Digital por Alberto Luis Fischer


Considero-me jovem, apesar de já ter passados dos 50 anos. Vivi o período de reserva de mercado de informática, quando para produzir algum bem de informática havia necessidade de autorização governamental e esta só era concedida a empresas nacionais. Meu sonho era ter um computador TK85. Acabei comprando uma calculadora programável CASIO com BASIC (duvido que muita gente conheça ainda esta linguagem...) – “importada” do Paraguai. Na universidade aprendi a programar em FORTRAN, usei cartões perfurados para entrada de dados e carregamento de programas. Comprei meu primeiro PC em 1993, em dez parcelas de 175 dólares cada. Meu primeiro contato com a internet, foi por volta de 1996. Contratei um provedor local, usava linha discada. Se o modem estivesse em uso, não podia fazer ligações telefônicas. A velocidade de transmissão de dados era uma piada. Hoje, isto tudo parece ser tão antigo e ultrapassado.

Muita coisa mudou nesse tempo. Meus filhos cresceram usando aparatos tecnológicos tipo iPad, iPod, iPhone, tablets, PC, Nintendo, Xbox, etc. Estes últimos muito mais interessantes que o jurássico “Tele Jogo” que usei na minha adolescência. Parecia que o “firmware” das crianças já vinha preparado para usar estes recursos. Ou seja, percebo que a adaptação deles ao seu uso foi mais fácil do que minha aprendizagem. E olha que sou curioso e me interesso por tecnologia.

Alvin Tofler, na década de 90, já falava na “Terceira Onda”, que iria substituir as anteriores (agricultura e industrial). Esta onda, que segue a lei de Moore, que preconiza o crescimento exponencial da capacidade dos microprocessadores/gadgets enquanto seu preço vai caindo, levou-nos a ter celulares/correlatos com capacidades milhares de vezes mais poderosos que os primeiros computadores. Estas “interfaces” facilitaram o acesso às informações e sua criação. Os meios de telecomunicação evoluíram muito no período e deram portabilidade a estas informações. Elas podem ser acessadas e criadas em qualquer lugar. Não se necessita mais ir a uma biblioteca para conseguir pesquisar a última publicação sobre algum tema de interesse. A criação de informações também deixou de ser privilégio dos antigos grupos de mídia (TV, rádio, Imprensa) ou das Universidades/Indústrias. Houve um processo de pulverização, popularização e disseminação da geração de informações. Está distribuída em qualquer lugar.  Lives, blogs, sites, redes sociais deram voz a todos. Permitem agora a comunicação em duplo sentido. Acabou o monopólio da geração de informações das grandes e antigas corporações de mídia. É verdade que foi dada voz a quem não tem nada a dizer, ou só sabe repetir mantras de terceiros. Aí cabe ao usuário distinguir o dado da informação e, desse modo, gerar o conhecimento/sabedoria.

O mundo - ou melhor, a visão de mundo - tornou-se multifacetada. As diferentes mídias e os canais para acessá-las tornaram-se on demand, ou seja, temos muito mais facilidade para escolhermos o que, quando, e onde queremos ver. Percebe-se o fim do monopólio das empresas de comunicação em massa, substituídas pela geração distribuída em todos os segmentos da população. Com o advento da Cultura Digital, todos os grupos/nichos têm voz e acesso à divulgação de seus ideais e pontos de vista, sem intermediários ou filtros. A velocidade de divulgação (inclusive acesso em tempo real, ou quase isso, a praticamente a qualquer evento ou local do mundo), a convergência das mídias (as redes conectam cérebros, que geram a inteligência coletiva, mudam a forma como as pessoas interagem entre si e constroem a cultura coletiva em detrimento a cultura do expert),  a conectividade de diferentes plataformas, a passividade dão espaço a oportunidade de ativismo (cultura do expectador substituída pela cultura da participação) nesse cenário que hoje vivemos.

O conceito de cibercultura e inteligência coletiva desenvolvido por Pierre Lévy, sintetiza muito bem este momento, no qual o partilhamento dos saberes, percepções, imaginação, criatividade e demais habilidades individuais permitem o aprendizado coletivo, construindo novos conhecimentos. O desenvolvimento tecnológico gerado pelo advento dos microprocessadores, a digitalização, a informática, as redes de comunicação e o acesso fácil e relativamente barato aos meios de comunicação potencializaram esse fenômeno e proveram o meio ambiente necessário para seu surgimento. Os conhecimentos e informações gerados deixaram de estar apenas nas mentes das pessoas, nos livros, nos microfilmes e passaram para a “nuvem” da internet, esse universo etéreo de servidores espalhados pelo mundo. Mas hoje são facilmente acessíveis e compõem o maior patrimônio da humanidade (quarto espaço antropológico – conhecimento), desde o desenvolvimento da linguagem, da escrita, do estabelecimento de relações entre causa e efeito.

Obviamente que os reflexos da cibercultura podem ser vistos em todos os aspectos da vida humana, inclusive na política. André Lemos, da Universidade Federal da Bahia, em conjunto com Lévy, tratou do tema no livro “O futuro da internet: Em direção a uma ciberdemocracia planetária”. Manifestações populares, marchas em prol de algum direito são convocadas sem a existência de um líder ou agente midiático convocar, mas sim por ação de indivíduos até desconhecidos, nas redes de comunicação. Eleições vencidas por candidatos tidos como nanicos ou improváveis, mas que souberam usar os recursos das redes sociais para fazer chegar as mensagem certas para cada grupo de interesse (“falando” para cada grupo o que eles queriam ouvir) tornaram-se frequentes. Credita-se o êxito de Obama, Trump e Bolsonaro ao uso competente de tais recursos. Os candidatos falavam diretamente a seus eleitores, sem intermediários e até sem participar de debates televisivos.

Mas a humanidade é assim, renovando-se e inovando constantemente. A internet tornou-se um acelerador destas evoluções e inovações. Gilberto Gil, ao lançar uma nova versão da música “Pela Internet”, vinte anos mais tarde, mostra o que mudou neste curto período de tempo:
- demanda de memória crescente;
- encontra-se tudo que se quiser na rede (produtos e serviços), customizado, para se encaixar nos desejos e bolsos de cada um;
- advento das redes (WhatsApp, Instagram, Facebook), busca obsessiva por likes, “dependência” das redes e sentimento de pertencimento a elas;
- não existe lugar desconhecido, o Google Maps trouxe o mundo para dentro de casa;
- navegadores (Waze) impedem que nos percamos e buscam reduzir nosso tempo parado no trânsito;
- disponibilidade de informações atualizadas e moldadas ao interesse do usuário.

Estou curioso para ver as novidades que a “Pela Internet 3” irá nos trazer... ou melhor, que vamos construir.

Alberto Luís Fischer - 17.2.2019

  

Nenhum comentário:

Postar um comentário