segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Cultura Digital por Vinícius Tadeu de Oliveira


Cultura Digital
Por Vinícius Tadeu de Oliveira


01 - Cultura Digital

O conceito de cultura digital não está consolidado. Aproxima-se de outros como sociedade da informação, cibercultura, revolução digital, era digital. Cada um deles, utilizado por determinados autores, pensadores e ativistas, demarca esta época, quando as relações humanas são fortemente mediadas por tecnologias e comunicações digitais.

O sociólogo espanhol Manuel Castells, em dossiê publicado pela revista Telos, mantida pela Fundación Telefónica, define a cultura digital em seis tópicos:

1. Habilidade para comunicar ou mesclar qualquer produto baseado em uma linguagem comum digital;

2. Habilidade para comunicar desde o local até o global em tempo real e, vice-versa, para poder diluir o processo de interação;

3. Existência de múltiplas modalidades de comunicação;

4. Interconexão de todas as redes digitalizadas de bases de dados ou a realização do sonho do hipertexto de Nelson com o sistema de armazenamento e recuperação de dados, batizado como Xanadú, em 1965;

5. Capacidade de reconfigurar todas as configurações criando um novo sentido nas diferentes camadas dos processo de comunicação;

6. Constituição gradual da mente coletiva pelo trabalho em rede, mediante um conjunto de cérebros sem limite algum. Neste ponto, me refiro às conexões entre cérebros em rede e a mente coletiva.

Durante o Seminário Internacional de Diversidade Cultural foi promovido um processo participativo de construção de uma agenda de cultura Digital. Os pesquisadores e ativistas Bianca Santana e Sergio Amadeu da Silveira sistematizaram um texto final que conceitua cultura digital:

“Reunindo ciência e cultura, antes separadas pela dinâmica das sociedades industriais, centrada na digitalização crescente de toda a produção simbólica da humanidade, forjada na elação ambivalente entre o espaço e o ciberespaço, na alta velocidade das redes informacionais, no ideal de interatividade e de liberdade recombinante, nas práticas de simulação, na obra inacabada e em inteligências coletivas, a cultura digital é uma realidade de uma mudança de era. Como toda mudança, seu sentido está em disputa, sua aparência caótica não pode esconder seu sistema, mas seus processos, cada vez mais auto-organizados e emergentes, horizontais, formados como descontinuidades articuladas, podem ser assumidos pelas comunidades locais, em seu caminho de virtualização, para ampliar sua fala, seus costumes e seus interesses. A cultura digital é a cultura da contemporaneidade”.

Durante o período em que esteve à frente do Ministério da Cultura, Gilberto Gil participou de inúmeros eventos voltados à discussão da cultura forjada pelas redes interconectadas, pelos recursos digitais. Em uma de suas falas mais marcantes , em aula magna proferida na Universidade de São Paulo, Gil também faz um esforço de conceituar o que seria a cultura digital:

“Novas e velhas tradições, signos locais e globais, linguagens de todos os cantos são bem-vindos a este curto-circuito antropológico. A cultura deve ser pensada neste jogo, nessa dialética permanente entre tradição e invenção, nos cruzamentos entre matrizes muitas vezes milenares e tecnologias de ponta, nas três dimensões básicas de sua existência: a dimensão simbólica, a dimensão de cidadania e inclusão, e a dimensão econômica. Atuar em cultura digital concretiza essa filosofia, que abre espaço para redefinir a forma e o conteúdo das políticas culturais, e transforma o Ministério da Cultura em ministério da liberdade, ministério da criatividade, o ministério da ousadia, ministério da contemporaneidade. Ministério, enfim, da Cultura Digital e das Indústrias Criativas. Cultura digital é um conceito novo. Parte da ideia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte”.

Assim, o Fórum da Cultura Digital Brasileira é também um meta-fórum, porque uma de suas tarefas é debater este conceito, do ponto de vista teórico, mas principalmente como fundamento para o desenvolvimento de políticas públicas.

No texto de Amadeu e Santana e na fala de Gil a ideia de cultura digital como uma cultura contemporânea (no caso, Gil fala em contemporaneidade) se destaca. Seria a cultura digital, então, a cultura deste nosso tempo? Mesmo sem termos à mão um conceito fechado, sabemos que a idéia de cultura digital com a qual trabalharemos é inclusiva, posto que incorpora os atores cuja cultura de uso e práticas emergem integralmente do mundo digital (nerds, hackers, gamers, produsers, entre tantos outros), mas também aqueles cuja vivência é “mais instrumental”, seja porque ainda ligados à indústria cultural do século XX ou mesmo porque adeptos das práticas tradicionais e populares.

É justamente essa visão que nos permitirá debater e, talvez, compreender, se existe – ou se é apenas uma miragem – uma cultura digital brasileira; se vivemos mesmo em uma sociedade que não teme a quebra de paradigmas ocasionada pela revolução digital; e se, pelo contrário, vivemos em uma sociedade antropofágica que desafia este tempo, fascinada, como o fez em outras épocas com a cultura pop (tropicalismo) e o pensamento religioso do incauto Bispo Sardinha (como recuperado por Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago).


02 - Inteligência coletiva


Para Lévy (2003), a inteligência coletiva é aquela que se distribui entre todos os indivíduos, que não está restrita para poucos privilegiados. O saber está na humanidade e todos os indivíduos podem oferecer conhecimento; não há ninguém que seja nulo nesse contexto. Por essa razão, o autor afirma que a inteligência coletiva deve ser incessantemente valorizada. Deve-se procurar encontrar o contexto em que o saber do indivíduo pode ser considerado valioso e importante para o desenvolvimento de um determinado grupo.
Os intelectuais coletivos só poderão se reunir em um mesmo ambiente a partir da mediação das tecnologias da informação e comunicação. Com tais tecnologias, os saberes dos indivíduos poderão estar em sinergia. A coordenação dos saberes pode ocorrer no ciberespaço, o qual não é apenas composto por tecnologias e instrumentos de infraestrutura, mas também é habitado pelos saberes e pelos indivíduos que os possuem (LÉVY, 2000). O ciberespaço permite que os indivíduos mantenham-se interligados independentemente do local geográfico em que se situam. Ele desterritorializa os saberes e funciona como suporte ao desenvolvimento da inteligência coletiva.
Quanto à mobilização efetiva das competências, Lévy (2003) mostra que um fator importante para que ela ocorra é conseguir identificar as competências dos sujeitos e compreendê-las em suas multiplicidades.
O projeto da inteligência coletiva, cunhado por Lévy, não é apenas uma proposta ligada à cognição, mas é um projeto global que pressupõe ações práticas que se destinem à mobilização das competências dos indivíduos e que busquem, de fato, a base e o objetivo da inteligência coletiva, que é o reconhecimento e o enriquecimento mútuo daqueles que se envolvem nessa proposta (LÉVY, 2003).
No período em que Lévy publicou as primeiras reflexões acerca da inteligência coletiva, o mundo desvinculava-se de uma duradoura divisão
ideológica. Os países e os indivíduos eram identificados por sua opção
política. Eram socialistas ou capitalistas. Rompida essa segregação formal,
os indivíduos viam suas identidades ruírem. Nesse contexto, compreende-se a persistência de Lévy (2003) em ressaltar a importância de existirem outros caminhos de inserção dos indivíduos em comunidades que não sejam caracterizadas por identidades étnicas, nacionais ou religiosas.
O caminho apontado por Lévy (2003) é a construção do laço social baseado no saber. Para ele, “o núcleo da engenharia do laço social é a economia das qualidades humanas” (LÉVY, 2003, p. 32). O que reuniria os indivíduos não seria mais a pertença a um lugar ou a uma ideologia, mas, sim, as capacidades de compartilhamento dos saberes individuais, uma vez que as identidades passariam a ser identidades do saber (LÉVY, 2003).
O saber referido não é o saber científico, mas o saber coextensivo à vida, diretamente relacionado aos conceitos savoir-vivre ou vivre-savoir, que quer dizer saber viver e viver saber, respectivamente (LÉVY, 2003).
A inteligência coletiva visa a tornar o saber a base principal, a infraestrutura das relações humanas. Ela só poderá de fato ocorrer em um determinado espaço, o qual Lévy (2003) nomeia como Espaço do saber. Nesse, as relações humanas são baseadas na valorização dos sujeitos e de suas habilidades. Lévy (2003) aponta que esse espaço ainda é virtual. Todavia, levando em conta o contexto atual, consideramos que o Espaço do saber encontra-se em construção e que ainda não se efetiva em sua plenitude, como proposto por Lévy (2003). Diz-se que ele ainda está em construção, pois há tecnologias disponíveis para colocar os sujeitos em sinergia e efetivar de fato o Espaço do saber. Entretanto, a efetivação do Espaço do saber vai além dessas tecnologias, uma vez que requer mudanças nas esferas política, social e, principalmente, no plano educacional.

03 - Cultura Participativa


Howard Rheingold (2012) fala de um cultura participativa, em que uma parcela significativa da população pode participar da produção de materiais culturais. Ele enfatiza o empoderamento sem precedentes que o know-how digital pode conceder, criando um senso de pertença e participação nos usuários. Possibilita aos internautas adquirir habilidades para se envolver na vida cívica de suas comunidades, construindo uma cultura mais democrática e diversificada. A recompensa pode vir ainda com um emprego, um companheiro, ou mesmo, a venda de um produto ou serviço.

04 - Convergência de meios


O conceito foi desenvolvido por Henry Jenkins, norte-americano estudioso dos meios de comunicação e autor do livro “A Cultura da Convergência”. Seu significado pode ser entendido de duas formas.

A primeira delas foca no lado tecnológico e usa como exemplo os aparelhos eletrônicos que, além de sua funcionalidade básica, desempenham várias outras funções. Hoje, em um smartphone, você tem rádio, televisão, videogame e, também, escuta músicas em formato digital ou envia mensagens de texto.

Já a segunda forma compreende tanto as novas relações das indústrias de mídia quanto o seu vínculo com os consumidores. Isso porque, ao trabalharem com os mesmos produtos, elas são obrigadas a se relacionar mais. Além disso, com as novas tecnologias, em especial a internet, os fãs querem influenciar o desenvolvimento daquilo que consomem.

E, embora já ocorresse desde a década de 1990, com filmes que ganhavam jogos de videogames e vice-versa, a interação entre os mercados midiáticos ainda não era muito forte. O longa Super Mario Bros, por exemplo, acabou sendo um fracasso de crítica e de público, porque não soube respeitar o universo narrativo do videogame.

Atualmente, as equipes que trabalham um mesmo produto em diferentes mídias interagem bastante, como no caso da franquia Harry Potter. De uma coleção de livros, a história virou filme e, depois, videogame, sendo bem-sucedida nos vários meios.


05 - Pela Internet Gilberto Gil


Através da música do Gilberto Gil de 1996 e de 2018 pode-se perceber o quanto a tecnologia evoluiu e como a capacidade de comunicação de 1996 em relação à 2018 é arcaica. Em 1996, perto do lançamento do famoso Windows 97, ou melhor, Windows 95 com internet Explorer, ou o lançamento do "poderoso" Pentium MMX, Gilberto Gil fez sua primeira versão da música, onde a tecnologia popular, dificilmente alcançava seus 3 GB de memória de armazenamento nos computadores, onde a internet popular era de 56 Kbps (a famosa internet discada). Na música de 1996, o querido Gil compara a internet a um barco que veleja. Já na música de 2018, com a tecnologia existente, tornou-se obsoleto, surgindo várias novas formas de comunicação através da internet, como por exemplo: WhatApp, Instagram, Waze.

Pela Internet
Gilberto Gil
1996
Pela Internet
Gilberto Gil
2018
Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje

Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé

Um barco que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve meu e-mail até Calcutá
Depois de um hot-link
Num site de Helsinque
Para abastecer

Eu quero entrar na rede
Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut

De Connecticut acessar
O chefe da milícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
Um vírus pra atacar programas no Japão

Eu quero entrar na rede pra contactar
Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar
Criei meu website
Lancei minha homepage
Com 5 gigabytes
Já dava pra fazer um barco que veleje
Meu novo website
Minha nova fanpage
Agora é terabyte
Que não acaba mais por mais que se deseje

Que o desejo agora é garimpar
Nas terras das serras peladas virtuais
As criptomoedas, bitcoins e tais
Não faz economias, novos capitais
Se é música o desejo a se considerar
É só clicar que a loja digital já tem
Anitta, Arnaldo Antunes, eu não sei mais quem
Meu bem, o iTunes tem
De A a Z quem você possa imaginar

Estou preso na rede
Que nem peixe pescado
É zap-zap, é like
É Instagram, é tudo muito bem bolado
O pensamento é nuvem
O movimento é drone
O monge no convento
Aguarda o advento de Deus pelo iPhone

Cada dia nova invenção
É tanto aplicativo que eu não sei mais não
WhatsApp, what's down, what's new
Mil pratos sugestivos num novo menu
É Facebook, é FaceTime, é Google Maps
Um zigue-zague diferente, um beco, um CEP
Que não consta na lista do velho correio
De qualquer lugar
Waze é um nome feio, mas é o melhor meio
De você chegar, chegar

Eu tô preso na rede
Que nem peixe pescado
É zap-zap, é like
É Instagram, é tudo muito bem bolado
O pensamento é nuvem
O movimento é drone
O monge no convento
Aguarda o advento de Deus pelo iPhone

Cada dia nova invenção
É tanto aplicativo que eu não sei mais não
WhatsApp, what's down, what's new
Mil pratos sugestivos num novo menu
É Facebook, é Facetime, é Google Maps
Um zigue-zague diferente, um beco, um CEP
Que não consta na lista do velho correio
De qualquer lugar
Waze é um nome feio, mas é o melhor meio
De você chegar, chegar
Waze é um nome feio, mas é o melhor meio
De você chegar
O melhor meio de você chegar



06 - Referências


https://literaciesufjf.wordpress.com/2017/10/04/inteligencia-coletiva-cultura-da-convergencia-e-cultura-participativa-nas-visoes-de-levy-jenkins-e-rheingold-2/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_participativa

http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/9474/6567

http://www.scielo.br/pdf/pci/v18n4/10.pdf

https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/marketing/pierre-levy-a-inteligencia-coletiva-e-os-espacos-do-saber/56040

http://culturadigital.br/conceito-de-cultura-digital/

https://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/pela-internet.html

https://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/pela-internet-2.html




Por Vinícius Tadeu de Oliveira

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